Já tinha escrito NESTE POST que é imperativo reduzirmos o desperdício alimentar e o consumo de proteína de origem animal (dizem-nos a FAO, as Nações Unidas, e a EAT-Lancet comission). De facto, o que comemos é um dos factores mais importantes no que diz respeito à sustentabilidade do planeta (como, aliás, já vos tinha mostrado NESTE POST, com a imagem que deixo abaixo, retirada de Ivanova et al 2015 (1)).
O que ainda não tínhamos abordado é que, dentro do que consumimos, existe um peso diferente para o consumo de energia/água e emissões de gases de efeito de estufa nas várias “etapas” da alimentação: produção, armazenamento, processamento, distribuição e consumo.
Para falarmos todos a mesma língua, quando falamos na intensidade da pegada de carbono de um alimento, estamos a considerar o total de Gases de Efeito de Estufa (GEE) emitidos durante todo o ciclo de vida do alimento, expresso em kilogramas de CO2e (CO2 equivalente), como vemos na imagem abaixo, extraída de um relatório da FAO (2).
O mesmo relatório sobre “Food wastage footprint & Climate Change” da FAO permite-nos perceber o impacto de cada etapa na pegada de carbono e no desperdício alimentar. Deixo AQUI o relatório (2) e, abaixo, um gráfico que ilustra a situação.
Se compreendermos que cada alimento terá o seu peso no que diz respeito à intensidade da pegada de carbono e que, dentro desse peso, podemos “separar” o impacto de cada “fase” da cadeia de aprovisionamento do alimento, fica fácil de compreender que o peso da fase de “distribuição” vai variar consoante o alimento. Assim, para quem tem uma dieta rica em carne, vai pesar muito mais em termos de impacto ambiental deixar de comer carne do que passar a consumir local (vejam ESTE post do blog Harvard Sustainability (3), que fala de maneira simples sobre o assunto, explicando que, “alimentos de base vegetal têm pegadas de produção mais baixas, pelo que o transporte dos mesmos é, comparativamente, mais significante”).
Weber e Matthews (2008), encontram-se alinhados com esta ideia de que uma mudança na dieta causa mais impacto do que apostar no consumo local, afirmando que “as emissões de GEE associadas com a alimentação estão predominantemente na fase de produção, representando 83% da pegada de uma família americana no que diz respeito ao consumo alimentar. O transporte alimentar representa apenas 11% de todo o ciclo de vida do alimento e a entrega final até ao retalhista representa apenas 4%”. Afirmam ainda que “mudar uma vez por semana as calorias da carne vermelha e lacticínios para galinha, peixe, ovos ou uma dieta de base vegetal, contribui mais para a redução da emissão de GEE do que comprar toda a comida localmente” (4).
No entanto, um estudo mais recente (5), por Wakeland et al (2011), explica que a pegada de carbono relacionada com o transporte de alimentos varia de uma percentagem baixa para mais de metade de toda a pegada de carbono associada à cadeia de aprovisionamento de um alimento (produção, armazenamento, distribuição), uma vez que as “cadeias de aprovisionamento são complexas e que as de alimentos são especialmente desafiantes devido à sazonalidade, frescura, maturação e condições sanitárias dos produtos” (5). Estes últimos investigadores, consideram as estimativas de Weber e Matthews (2008), de que o transporte alimentar representa apenas 11% das emissões totais associadas ao consumo alimentar, mas reforçam que o impacto do transporte no ciclo de vida é especialmente importante no caso de alimentos de base vegetal, reforçando que, como tal, “continua a ser importante melhorar o sistema de distribuição alimentar“.
Concordante com esta ideia, a FAO (2) avança que é necessário reduzir o desperdício gerado em todas as fases da cadeia de aprovisionamento alimentar, referindo mesmo que, na fase de “Distribuição e Consumo” é necessário existir uma redução de 50% do desperdício face ao que existiu em 2011 (até 2030), como podemos ver na imagem abaixo, retirada deste relatório.
Outro relatório da mesma agência, sobre o futuro da alimentação e da agricultura (6), explica que “cadeias de aprovisionamento de alimentos mais longas podem ter uma pegada de carbono superior”, afirmando que “o impacto ambiental das cadeias de aprovisionamento globais aumentou significativamente o transporte de longa distância desde a produção primária, ao processamento e consumo”. No entanto, continua a ser reforçado que “o nível de emissões globais de um alimento não é apenas determinado pelo transporte, mas pela produção, processamento, armazenamento e distribuição” (6). Neste relatório, lemos também que a “adopção de tecnologias de baixas emissões nas fases primárias de produção pode compensar (e exceder) as elevadas emissões das cadeias de aprovisionamento mais longas (que requerem mais transporte).
Por último, num outro relatório da FAO (a FAO escreve muitos relatórios, I KNOW!), sobre Alimentação e Agricultura Sustentável (7), podemos ler que existe um potencial para além do ambiental quando promovemos o consumo local. De facto, “capacitar (…) os produtores a participar em mercados locais, regionais e internacionais é essencial. Maiores salários rurais impulsionam a procura por produtos e serviços locais que, por sua vez, estimulam negócios, geram emprego e salários e reduzem o empobrecimento rural”. Este também me parece ser um aspecto importante a considerar, especialmente tendo em conta que vivemos num país ainda fortemente desertificado no interior, onde existe um enorme potencial de produção agrícola.
Sobre este tema, importa ainda referir que, no desenvolvimento do segundo “Sustainable Development Goal” das Nações Unidas (que é o “Zero Hunger), está contemplado de modo muito relevante a “aceleração de tecnologias inovadoras para a redução da pegada ambiental da redução dos alimentos”. Podem ler mais no relatório realizado entre as Nações Unidas e a KPMG (8).
Para terminar a “explicação” sobre a importância do consumo local, deixo um dos parágrafos mais relevantes que li sobre o tema, pelas “mãos” da sociSDGs (Social Innovation & Inclusion of Sustainable Development Goals), um projeto apoiado por diversas entidades oficiais/governamentais da União Europeia. No site deste projeto (9), pode ler-se que:
“Uma vez que os alimentos estão constantemente a ser transportados milhares de milhas para chegar aos consumidores, este transporte é refletido na pegada de carbono. Comprar alimentos locais e de época pode ser um primeiro passo importante na contribuição para sistemas de alimentação sustentáveis, que permitam atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (das Nações Unidas)” (9).
- Ivanova, D., Stadler, K., Steen-Olsen, K., Wood, R., Vita, G., Tukker, A. and Hertwich, E. (2015). Environmental Impact Assessment of Household Consumption. Journal of Industrial Ecology, 20(3), pp.526-536.
- Food and Agriculture Organization of the United Nations (2016). Food wastage footprint & Climate Change. [online] Available at: http://www.fao.org/3/a-bb144e.pdf
- Lavaens, M. (2017). Do food miles really matter?. [online] Sustainability at Harvard. Available at: https://green.harvard.edu/news/do-food-miles-really-matter
- Weber, C. and Matthews, H. (2008). Food-Miles and the Relative Climate Impacts of Food Choices in the United States. Environmental Science & Technology, 42(10), pp.3508-3513.
- Wakeland, W., Cholette, S. and Venkat, K. (2011). Food transportation issues and reducing carbon footprint. Food Engineering Series, pp.211-236.
- Food and Agriculture Organization of the United Nations (2017). The future of food and agriculture – Trends and challenges. [online] Rome. Available at: http://www.fao.org/3/a-i6583e.pdf
- FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (2014). Building a common vision for sustainable food and agriculture. PRINCIPLES AND APPROACHES. [online] Rome. Available at: http://www.fao.org/3/a-i3940e.pdf
- United Nations Global Compact, KPMG (2017). SDG INDUSTRY MATRIX. Transportation – New Sustainable Development Goals to make our world more: Prosperous • Inclusive • Sustainable • Resilient. [online] Available at: https://home.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2017/05/sdg-transportation.pdf
- SociSDG. (2019). SDG 2: Sustainable food production. [online] Available at: http://socisdg.com/en/blog/sdg-2-sustainable-food-production/
Agora que já temos todos os factos, vamos a umas breves conclusões, seguida de um vídeo com pequenas (grandes!) dicas para nos ajudar a fazer escolhas mais sustentáveis no supermercado:
- Ainda que o alimento que consumimos tenha mais impacto global do que o local de onde vem, o transporte tem, ainda assim, um peso considerável no impacto das nossas escolhas alimentares para o ambiente.
- Por aqui somos apologistas do “tudo conta”. Numa casa em que deixar de consumir carne vermelha e lacticínios não seja opção, consumir produtos locais vai ser melhor do que nada. Numa casa em que já se faça esta mudança ou redução, consumir produtos locais vai fazer AINDA mais diferença. Aprendemos que os alimentos onde o transporte tem mais impacto a nível de pegada de carbono são os vegetais, correto? Então toca a aplicar esta aprendizagem!
- Sabemos que o grande impacto ambiental da agricultura está na fase de produção. No entanto, não temos controlo sobre esta fase enquanto consumidores (ou temos muito pouco). Vamos não usar o “ah, sou só um, as empresas é que têm de mudar” e mostrar ao mundo que, naquilo em que podemos ter voz, vamos usá-la. E um dos grandes aspectos em que podemos usar a nossa voz é na escolha de produtos locais! Podemos não controlar se uma quinta utiliza painéis solares, estufas, pesticidas… mas podemos controlar se compramos de uma quinta mais perto de nós ou de uma mais longe, existindo essa hipótese!