DISCLAIMER: Isto não é um post com “trocas” do género: em vez de palhinha, andar com uma reutilizável. Não tem imagens lindas com 10 trocas zero waste que podem fazer, porque a realidade de uns é diferente da realidade de outros. Serve para cada um ler e analisar, no seu próprio dia-a-dia, por onde pode começar.
A avalanche de novos seguidores que se deu no meu Instagram nos últimos dias fez com que surgisse uma avalanche de mensagens a perguntar “por onde começar”. Até à data, estava a remeter toda a gente para o artigo dos recursos importantes ou da cozinha Zero Waste. Mas fazia falta um artigo mais genérico. Com um step-by-step ou um “por onde começar” neste caminho em prol de uma vida com menos desperdício.
É importante pensar, antes de mais, neste conceito de desperdício. Porque não estamos a falar de plástico, nem tão só de “lixo”. Estamos a falar de todos os recursos que desperdiçamos diariamente. E quando dizemos “desperdiçamos” estamos a falar de algo desnecessário. É desnecessário consumir recurso x quando não há necessidade de o fazer, gerando desperdício.
A primeiríssima coisa a fazer é uma auditoria à nossa vida. E vale escrever, mesmo. Andamos de carro ou de transportes? Quanto gastamos por mês a jantar fora / viajar / comprar roupa? Onde gastamos o nosso dinheiro? O que está no nosso caixote do lixo? Quão eficiente é a nossa casa?
Claro que há perguntas mais fáceis de “descortinar” do que outras. Uma das mais fáceis, para mim, é a Auditoria ao Lixo. Tão simples quanto isto: abrir o caixote do lixo (ou caixotes, para contemplar a reciclagem) e escrever o que lá está dentro. Escrever também o dia em que o lixo lá começou a ser colocado. Ao fazer isto, é fácil passar, por exemplo, de um contentor de lixo comum por semana, a um por mês. Isto porque, na maioria das casas, o que mais enche o lixo comum não são as faturas térmicas ou o pó do aspirador, mas sim… resíduos orgânicos que podem entregar para ser compostados (vejam a app ShareWaste) ou que podem compostar em casa. Se perceberem que a maioria do vosso lixo de papel são folhas de impressora de apontamentos da escola, pensem numa medida que possam adotar nesse mês para melhorar este aspecto. A ideia é pensar em poucas medidas de cada vez, mas que consigamos manter a longo prazo. Aí está a verdadeira sustentabilidade.
A próxima ideia que sugiro também é bem simples: seguir a pirâmide de sustentabilidade (ou os famosos 5 R’s da sustentabilidade). E é para pensar neles por ordem, mesmo. A frase da Bea Johnson é: “refuse what you do not need; reduce what you do need; reuse what you consume; recycle what you cannot refuse, reduce, or reuse; and rot (compost) the rest.”*
*”recuse aquilo de que não necessitar; reduza aquilo de que necessita; reutilize o que consome; recicle o que não conseguir recusar, reduzir ou reutilizar e composte o resto”.
Se fizerem a auditoria ao lixo e utilizarem a app ShareWaste para doar orgânicos ou um compostor para fazerem compostagem, facilmente a pirâmide se irá inverter ligeiramente, porque vão acabar a compostar mais do que reciclam, porque vão ter menos lixo para a reciclagem e vão conseguir doar praticamente todos os resíduos orgânicos. (num mundo ideal – mas não é assim tão difícil de conseguir).
Deixo algumas ideias que podem colocar em prática para cada um dos 5 R’s
Recusar
Sempre que estenderem a mão para aceitar alguma coisa, que carregarem num botão para subscrever um serviço ou mandar vir uma encomenda, coloquem um alerta no vosso cérebro: preciso disto? Posso receber a mesma “função”, desperdiçando menos recursos? Em muitas coisas, a resposta é tão simplesmente: não preciso disto, encontro outras soluções dentro do que já tenho ou consigo arranjar alternativas reutilizáveis. Há algumas coisas mais óbvias que podemos recusar, como:
- Talões! A maioria dos talões/recibos/faturas é feita de papel térmico (que contém bisfenol-A, um disruptor endócrino – vejam o que dizem um investigador do Centro de Química-Física Molecular do Instituto Superior Técnico (IST) e um investigador do departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro NESTE ARTIGO), que, embora possa ser reciclado, não deve ser colocado no ecoponto azul (precisamente por conterem bisfenol-A, que depois pode continuar presente nos produtos feitos com papel reciclado, como o papel higiénico (Pivnenko et al, 2015) – e existirem vestígios de disruptores endócrinos em produtos para zonas tão sensíveis como o papel higiénico, não é boa ideia.). Sempre que forem fazer uma compra, perguntem se é possível não emitir o talão. Mesmo a fatura, muitos sítios permitem colocar contribuinte e não imprimir o papel. Pro-tip: disseram-me recentemente que, se tiverem cartão continente, na vossa área de cliente do site podem deixar os dados e dizer que não querem fatura impressa. Assim, quando lá forem, a fatura é registada na mesma com o vosso contribuinte, mas não sai aquele rolo ENORME de papel, que mais parece um rolo de papel higiénico…
- Guardanapos de papel, nos restaurantes (basta andarem sempre com um lenço/guardanapo ou… irem lavar as mãos e a boca depois de comer). Vale recusar também os de papel reciclado, sim??
- Palhinhas (óbvio, hein? Mas nem sempre nos lembramos de, quando pedimos uma bebida, dizermos “sem palhinha, por favor”. Já me aconteceu vezes demais vir a bebida com a palhinha. E aí, mesmo que diga que não quero usar, ela vai acabar no lixo).
- Brindes “grátis”. Tantas vezes estão a oferecer bugigangas na rua e aceitamos porque “é grátis”. Seja uma caneta, porque “vai sempre dar jeito” (quantas temos guardadas há anos nas gavetas, em casa?), um pin, um novo sumo que uma marca lançou e quer promover. As empresas só continuam a fazer este tipo de campanhas porque… funciona! Porque nós aceitamos estes “grátis”, que saem tudo menos “gratuitos” para o planeta. Pensem: pagaria por isto? Se não pagaria, não me faz falta.
Reduzir
Há coisas que não podemos ou não conseguimos recusar. E está tudo bem. Cada um tem o seu ritmo e as suas condicionantes. Ao reduzirmos, já estamos a conseguir ter um enorme impacto (pensei nalguma coisa que façam todos os dias – andar de carro? – se passarem a andar de transportes dia sim, dia não, estão a reduzir o vosso impacto nas emissões de CO2 que o carro produz em 50%. Imaginem o mundo inteiro a fazer esta mudança! Tem impacto, não tem? Então, o que podemos reduzir?
- O consumo de papel (troquem os rolos de papel de cozinha por paninhos feitos de roupa/lençóis/turcos velhos, por exemplo; reduzam o consumo de papel higiénico, utilizando o bidé…);
- O consumo de comida: sim, parece estúpido, mas revejam os vossos hábitos alimentares. No hemisfério Norte, consumimos mais do que aquilo de que necessitamos para “funcionar”. O problema do mundo não é a sobrepopulação. Neste momento, temos capacidade para alimentar toda a gente do globo (não sou eu que o digo, mas sim a FAO, que explica que estamos a deitar comida “fora” a um ritmo alarmante. A UN reporta que um terço da comida global é, neste momento, desperdiçada). De facto, temos capacidade para alimentar 1,5x mais do que a população mundial (Holt-Giménez et al, 2012), mas não se continuarmos a comprar e/ou consumir A MAIS do que aquilo de que necessitamos, que é o que se está a passar. Temos, sim, um enorme problema com a distribuição dos alimentos, com o HN a consumir mais do que necessita e o HS a consumir menos do que necessita (aliás, a recomendação das Nações Unidas, é desde 2010 que exista uma maior parceria entre o HN e o HS, no que toca à agricultura sustentável, para evitar estes desequilíbrios nutricionais e desperdícios alimentares).;
- O consumo de proteína animal – na sequência do pedido para reduzir o desperdício, as Nações Unidas recomendam também que se consumam mais fontes de proteína vegetal do que animal (podem ver no site da campanha da UN, “Act Now”. Também encontram por lá um vídeo muito muito curtinho e interessante);
Um pequeno aparte, porque vale a pena verem o desafio da campanha ACT NOW da UN, em que convidam chefes de todo o mundo para partilhar receitas (em vídeo) de refeições feitas tendo em conta a sustentabilidade – todos os vídeos AQUI.
- O consumo roupa, sobretudo em fast-fashion ou em marcas que não sejam transparentes relativamente à cadeia de produção e origem dos seus tecidos (a UN explica que a indústria têxtil é a segunda mais poluente de águas, depois da agricultura). De facto, segundo o UNFCCC (convenção quadro das nações unidas sobre as alterações climáticas), a indústria têxtil contribui com cerca de 10% das emissões globais de gases do efeito de estufa, o que representa mais energia do que as indústrias da aviação e transporte combinadas. Vejam o relatório da UNFCCC de 2018 AQUI.
- A utilização do carro – está previsto que a frota de carros global triplique até 2050, fazendo com que a emissão de gases do efeito de estufa desta indústria dos transportes cresça mais do que qualquer outro setor. Podemos fazer a nossa parte ao deixar o carro em casa e andar de transportes, a pé ou de bicicleta, sempre que possível.
- O consumo de água. A Unwater, alerta para o facto de metade das pessoas que bebem água de fontes não seguras viverem em África. Enquanto cidadãos europeus, com acesso a água potável e tratada, temos a responsabilidade acrescida de fazer um consumo eficiente e consciente desta água, não a desperdiçando (reduzindo o consumo de tudo o que necessite de muita água na produção – podem ver AQUI uma lista de alguns items, segundo a Water Footprint Network), mas também podemos pensar em estratégias, como tomar banhos mais curtos ou guardar a água do aquecimento do banho num balde/alguidar para utilizar na rega do jardim, nas descargas da sanita, na confeção de alimentos) e prevenindo a sua contaminação (nada de deitar óleo, restos de comida, cotonetes, tampões e dodots na sanita, ok??).
Reutilizar
Sabem aquelas pessoas que, quando lêem que o plástico é o bicho papão, decidem deitar tudo o que é de plástico fora? Ele vai tupperwares, vai esfregona com cabo de plástico, o vaso das plantinhas… dizimam o plástico como se deitar fora o que já temos fosse solução. Quando virem isto a acontecer, respirem fundo e expliquem, no vosso tom mais querido e compreensivo, que, se estamos a tentar evitar colocar mais plástico nos aterros e nos oceanos, talvez deitar fora o que temos não seja a opção mais sensata (viram como consegui escrever isto de forma minimamente fofinha?).
Os tuppewares de plástico são para usar até não dar mais. Idem para tudo o que já tiverem.
A EPA (United States Environmental Protection Agency) explica que a “maneira mais eficiente de reduzir o desperdício, é não o criar em primeiro lugar, uma vez que fazer um produto novo requer a utilização de materiais e energia e que o produto terá de ser transportado para onde for vendido. Como tal, reduzir e reutilizar são as maneiras mais eficientes que existem para salvaguardar os recursos naturais, protegendo o ambiente e poupando dinheiro”. Tudo dito, parece-me 😉
Reciclar
Se os resíduos já tiverem sido produzidos (e tiverem comprado conscientemente, com vista ao correto descarte dos mesmos), então devemos reciclá-los, permitindo que se transformem noutros produtos e que não vão “parar a aterros”. Infelizmente, ainda existem alguns erros de reciclagem. Sempre que tiverem dúvidas sobre a reciclagem de algum item, sugiro 2 recursos onde podem procurar informação: a WasteApp, da Quercus, e o Site da Sociedade do Ponto Verde.
Segundo a Quercus, atualmente só 16,5% dos resíduos produzidos são encaminhados para os ecopontos. Isto significa que podemos fazer mais e melhor, enquanto consumidores! Até porque Portugal tem metas de reciclagem e valorização de resíduos a cumprir até 2022 e está longe de as alcançar… As boas notícias são que, no primeiro semestre deste ano, já conseguimos reciclar 11% mais do que no primeiro semestre do ano passado, o que só mostra que é possível melhorar os nossos “números” relativos à reciclagem.
Ainda assim, importa recordar que recusar, reduzir e reutilizar são os R’s mais importantes, sobretudo porque,
Compostar
“Só em 2017 foram recolhidas diariamente em Lisboa mais de 600 toneladas de lixo comum, das quais 40% de biodegradáveis, encaminhados para incineração“. Isto significa que foram gastos recursos para ELIMINAR resíduos que, não só poderiam não ter sido eliminados, como poderiam mesmo ter sido VALORIZADOS e transformados em adubo. Isto está errado a todos os níveis possíveis e imaginários… A boa notícia, é que podemos fazer a nossa parte!
Podemos ver com a nossa câmara municipal de residência se tem algum programa de compostagem comunitária (em Lisboa existe em 5 freguesias), podemos começar a compostar em casa (utilizando métodos como a vermicompostagem, o bokashi ou a compostagem natural – algumas câmaras oferecem compostores para fazerem em casa este tipo de compostagem) ou, caso não queiramos ter mesmo trabalhinho nenhum (é o que tenho feito!), podemos entregar os nossos resíduos orgânicos a quem faça compostagem, através da app ShareWaste. Com esta última alternativa, não há mesmo desculpas, malta!
Há ainda uma coisa que acho fundamental para uma vida com menos desperdício: PLANEAR! É tão óbvio e tão raramente o fazemos. Planear refeições ajuda a combater o desperdício alimentar (sugiro que sigam a Joana Roque (alimentação omnívora) ou a Vânia Rodrigues (alimentação vegetariana) para se inspirarem neste tema). Planear a nossa agenda e pensar onde é que, ao longo do dia, vamos precisar de utilizar descartáveis, ajuda a levar logo connosco reutilizáveis (eu ando sempre com lenço de pano, snacks comprados a granel ou feitos em casa, garrafa de água reutilizável (geralmente um frasco qualquer de polpa de tomate que esteja lavado na despensa) e um saco de pano (que me ofereceram num casamento) caso precise de comprar alguma coisa. Mas o planeamento vai mais além: se fizerem depilação a laser, por exemplo, levem convosco uma lâmina reutilizável (elas têm sempre “a mania” de tirar mais qualquer coisinha com uma lâmina descartável…), se forem ao dentista, sigam a dica da Ana Milhazes e levem o vosso copo para depois bochecharem… pensem bem no vosso dia e nos desafios com os quais se poderão deparar e… preparem-se para eles!
Fica uma nota final: querer mudar tudo ao mesmo tempo faz com que não tenhamos tempo (passo a repetição) para assimilar a mudança e questionarmo-nos sobre a mesma. E é importante fazê-lo, para garantir que não estamos a auto-sabotar-nos com greenwashing dissimulado em campanhas de marketing que já estão no nosso subconsciente. Às vezes, passam-se meses até adotar um novo gesto de redução de desperdício, porque preciso de tempo para poder investigar a fundo qual a melhor maneira de contornar esse mesmo desperdício (vejam o caso do papel higiénico, de que falo NESTE post). Levar tempo a adotar um hábito novo é normal e saudável. Faz parte do processo. Sei que, quando começamos a debruçar-nos sobre este tema, queremos logo fazer muito. Mas respirem fundo, porque os primeiros passos passam por saber dar uso ao que já temos, “gastar” os produtos que já não compraríamos mas que já comprámos. Reutilizar é uma parte importante do processo. Diria que é das mais importantes, mesmo. Percam mais tempo a pensar como podem usar da melhor maneira o que têm do que a adotar medidas “zero-waste” vistosas e extravagantes (sim, não vale pôr pasta de dentes do tubo a mais na escova, só para acabar a pasta mais rapidamente e ter uma “desculpa” para ir a correr comprar uma pasta de dentes embalada em alumínio ou comprada em pastilhas, a granel).
E lembrem-se da máxima da Zero Waste Chef: “We don’t need a handful of people doing zero waste perfectly. We need millions of people doing it imperfectly”.
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