Tenho-me debatido com esta questão quase todos os dias de há algumas semanas para cá. Adormeço a pensar nela na esperança que dormir sobre o assunto ajude. Vou no carro a pensar nisto, distraio-me quando estou a ler artigos à custa deste tema. Desculpem se vos for contagiar com uma dúvida que não tinham (ou que não vos tirava o sono), mas sinto que preciso de falar sobre isto, nem que seja para deitar para fora a diarreia verbal que vai acontecendo no meu cérebro. Talvez hoje consiga dormir melhor, depois de colocar estas dúvidas no mundo. Talvez as vossas respostas me ajudem a encontrar mais sentido nesta dúvida. Afinal, não posso estar sozinha neste dilema…
Quando falamos em sustentabilidade, falamos em comprar local, apoiar o pequeno comércio e as empresas familiares. Também falamos em investir em inovação, garantir que a proveniência dos produtos é rastreada e abrir postos de emprego. E no meio de tantas premissas, questiono-me: será que os “pequenos” podem garantir o que os “grandes” oferecem à sociedade? E será que os “grandes” conseguem dar resposta aos desafios à escala local? Pus-me a tentar desvendar o meu cérebro pergunta a pergunta, ideia a ideia. E não sei se cheguei a alguma resposta interessante.
Na realidade, acho que cheguei a uma pergunta: quero mesmo comprar iogurte?
Ideia 1 – Ao comprarmos aos pequenos, estamos a fazer crescer um negócio (e um sonho)
Sou apologista de que investir em empresas pequenas é investir nos sonhos de alguém. Adoro esta componente quase de mecenato que existe ao apoiar alguém que faz uma dança de felicidade sempre que vende um produto ou serviço. Mas, de cada vez que penso mais a fundo nisto, lembro-me do propósito: quero que cresçam e vejam o sonho tornado realidade (se quiserem crescer, claro. Se for esse o sonho). Penso numa EcoX, que apoio há anos e que sonho um dia ver nos corredores de todas as grandes superfícies. Numa Imauve ou numa Campos, que merecem vestir os grandes ícones mundiais da moda. E depois? Quando se tornarem grandes graças ao apoio de quem nelas acreditou? Não irei eu querer celebrar estas conquistas? Não ficarei super feliz? Claro!! Quero apoiar os pequenos também para que se possam tornar grandes ou, caso não o queiram, para que possam continuar no mercado, sem prejuízo. Para que os sonhos de crescer (se for o caso) se tornem realidade. E quando forem grandes… bom, não faria sentido deixar de lhes dar a mão apenas por terem conseguido aquilo que sempre quis que conseguissem. Há 50 anos, não existia a Imauve, nem a EcoX. Mas existiam outras histórias. A de Ingvar Kamprad, que começou a vender fósforos com 6 anos, e começou o seu negócio de venda de mobília feita por artesãos locais aos 17 anos. Hoje, conhecemos esse negócio, esse sonho, como IKEA. Existia a história de Pierre Fabre, que em 1951 abriu uma farmácia em Tarn (França) e que, 8 anos depois, criou um pequeno laboratório nas traseiras da farmácia, para desenvolver um produto com extrato de uma planta local. Este sonho são hoje os laboratórios Pierre Fabre, casa de marcas como Avène e Klorane.
Conclusão: Todas as grandes empresas começaram com um sonho de alguém. Todas começaram pequenas. E cresceram. Porque alguém as apoiou. E agora, muitas apoiam outros sonhos… mas lá chegaremos
Ideia 2 – As grandes empresas exploram trabalhadores
Acho que sempre que penso em empresas enormes, penso em alguém “preso” a um computador, com o ar mais infeliz do mundo. Não sei porquê, é uma imagem que tenho. Não sei porquê, até porque tenho precisamente a experiência contrária. Já trabalhei em muitos sítios. Já fiz tudo e mais alguma coisa. Trabalhei na caixa de uma loja de roupa, dei aulas de música, fiz styling de moda, geri redes sociais, fui responsável por marketing digital de marcas bem conhecidas e agora tenho o meu próprio negócio. Sabem onde fui mais explorada? Numa empresa familiar em que trabalhei. Onde recebi durante meses a módica quantia de 0€, para trabalhar, no mínimo, 12 horas por dia. Sabem onde me senti mais apreciada? Numa multi-nacional. Na do sonho de Pierre Fabre. Onde, quando tive de vir para casa com uma gravidez de risco, tive o apoio incondicional das minhas chefes. Onde, em casa, parada a repousar, me foi dado um bónus, por todo o trabalho que tinha desenvolvido na empresa. Eu não tinha contrato sem termo. Estava a tremer porque o meu contrato iria acabar um mês depois de ter sido mandada para casa pela médica. Acham que por ALGUM SEGUNDO me fizeram sequer crer que não renovariam contrato? Nunca. Nem esteve em cima da mesa para eles aproveitar eu ter de ir para casa e rescindir contrato comigo. Nunca, em empresa nenhuma, me senti tão bem tratada. E foi a maior empresa na qual já trabalhei.
Conclusão: nem todos os grandes exploram trabalhadores, nem todos os pequenos tratam bem a sua força de trabalho.
Ideia 3 – Mas as empresas grandes têm escala. E escala significa mais poluição!
Debati esta ideia há uns dias com alguém que tinha acabado de conhecer. Sobre o facto de a Coca-Cola, Unilever, Nestlé e Danone serem consideradas as “maiores poluidoras do mundo” ao nível do embalamento. Ora, parece-me óbvio que sejam. Afinal, são as empresas que mais unidades de produtos vendem. Estão em todo o lado! Se uma empresa grande vende um milhão de unidades de cada produto e tem mais de mil produtos, facilmente se percebe que há muito embalamento envolvido. Se uma empresa mais pequena tem 3 produtos e vende 100 unidades de cada, polui menos certamente. Mas significará isto que a empresa é pior no seu impacto? No geral? Podemos afirmar isto? Não! Porque a empresa gigante se calhar consegue pagar materiais reciclados (ou consegue, como a Danone, ser uma empresa certificada B.corp, com enorme responsabilidade social e ambiental), que ficam demasiado caras para uma empresa pequena. O que significa que sim, em número de produtos polui mais, mas se calhar cada produto tem um menor impacto ambiental. Se pensarmos que somos 11 milhões em Portugal a consumir produtos diariamente, podemos facilmente chegar à conclusão de que o consumo poderia ser o mesmo, com ou sem empresas pequenas. Se houver um produto que estes 11 milhões de pessoas consomem diariamente, importa serem 1 milhão de produtos comprados cada um a 11 empresas ou se é um produto comprado a 11 milhões de empresas? No limite, teríamos sempre 11 milhões de embalagens. E se a nossa compra estivesse tão dispersa que cada um compraria apenas a uma empresa (ou seja, cada empresa teria apenas um cliente), provavelmente a empresa teria de vender esse produto mais caro do que se produzisse um milhão do produto. Porque não beneficiaria de economias de escala.
Conclusão: consumo significa poluição. Em responsabilidade partilhada entre consumidor e empresa. Se eu beber uma garrafa de Coca-Cola, tenho o direito de dizer que a culpa da poluição de garrafas de plástico é da coca-cola? Não sabemos já que as empresas só vendem o que os consumidores compram? A verdadeira pergunta que temos de fazer é: precisamos de coca-cola? E quem dita se precisa ou não, é o mercado. Somos nós.
Ideia 4 – As grandes empresas só querem saber de lucro…
Com esta ideia nunca concordei, mas deixo aqui uma reflexão sobre a mesma.
Uma empresa tem de dar lucro para continuar a existir. Ou, vá, tem de não dar prejuízo. Imaginem que criam um negócio de venda de discos desmaquilhantes. Ao início fazem vocês, nos tempos livres. O negócio cresce e têm de se despedir para continuar a conseguir dar vazão às encomendas. Mas têm de continuar a pagar a casa. Ou seja, o que ganham com o vosso negócio tem de compensar os gastos que vocês têm. Numa empresa, grande ou pequena, a lógica é a mesma. Acontece é que a escala altera o impacto do lucro e do prejuízo. Se uma pequena empresa tiver um erro num produto e tiver de devolver o valor das vendas das 50 unidades que vendeu, a 10€ cada uma, tem 500€ para devolver. Se uma grande empresa tiver de devolver o mesmo produto com erro, mas tiver vendido 200.000 unidades, tem de devolver dez milhões de euros. Por isso, faz sentido que se preocupem com margens. Com um “problema” acrescido. Muitas vezes, grandes empresas têm acionistas que querem receber a sua compensação pelo risco de terem investido na empresa. Ou seja, o lucro tem de ser distribuído por esses acionistas. Mas, numa empresa bem gerida com os valores no sítio, o lucro ainda serve para apoiar comunidades locais, projetos de inovação tecnológica, preservação de ecossistemas… Numa empresa bem gerida, com os valores no sítio, o objetivo não será o de crescer todos os anos em lucro, mas o de garantir que a faturação permite cobrir todos os custos e ainda apoiar as causas das quais é “patrona”. E isto, todas as empresas podem (e devem) fazer. Pequenas e grandes. Mas, devido à escala, o apoio das grandes empresas tem sempre mais impacto. Por isso, precisamos delas também!
E então, em que ficamos?
Simples: nem todas as grandes empresas são más, nem todos os pequenos empresários são bons. Sobretudo, paremos de nos desresponsabilizar do nosso consumo, culpando as grandes empresas. E paremos de achar que está tudo bem em consumir a mais do que devemos só porque compramos “aos pequenos”.
Aquilo que me permite dormir à noite é uma palavra apenas: equilíbrio. Vou continuar a apoiar negócios pequenos que sejam transparentes e com cujos valores me identifico. E vou controlar o impulso que me faz desconfiar de todos os grandes indiscriminadamente. Porque ser grande e bom, é possível. Tenho visto diariamente exemplos de como alguns gigantes estão a melhorar o mundo. Porque podem. Têm lucro que permite investir em mais e melhores tecnologias. Investir no mundo e nas pessoas. Se há gigantes que não o fazem? Absolutamente. Mas posso votar com o meu dinheiro. E assim como vou conhecer os negócios pequenos, vou conhecer os grandes. E vou usar o mesmo espírito crítico para avaliar pequenos e grandes. Sem abébias aos pequenos e sem desconfianças dos grandes. E da próxima vez que for comprar iogurtes, se sei que a Danone é altamente responsável, talvez faça sentido comprar Danone em vez de concorrência sobre a qual não existe informação clara. Ou, melhor ainda, talvez faça sentido perguntar: preciso mesmo de comprar iogurte?